por Paul Beakley – tradução de Hayako (hayako@pm.me)
Texto original aqui
Você odeia preparar para seus RPGs? Eu sim. Bem… eu pensei que odiava.
Por ter muitas décadas de jogo acumuladas, considerei a preparação um mal necessário. A preparação é necessária para que você não precise improvisar na mesa. Prepare como uma medida preventiva. Estava tão profundamente enraizado, tão introjetado no processo, que nunca parei para pensar nas questões que isso implica. No caso: qual é o papel da MJ? Se eu estou lá para apresentar uma narrativa emocionante, então é o cacete que eu posso improvisá-la. Apenas inventando a p*#a toda na hora, deus do céu, e se eu matar o grupo todo sem querer? E se eu esquecer de atingir um ponto importante na história? O que os jogadores vão pensar? Passar tanto tempo criativo em uma postura defensiva me colocou em uma mentalidade terrível e antagônica.
Jogar no estilo “caixa de areia” (sandbox) foi uma evolução, pensando tanto por razões práticas quanto no estilo de jogo: colocar um dragão nessa caverna, se pudesse haver um dragão ali. Proteger as personagens de suas escolhas não é sua função. Se existir uma real ameaça de fracasso, seus jogadores se sentirão mais satisfeitos com suas vitórias do que se você tivesse equilibrado a dificuldade com as habilidades deles. Claro, tudo bem.
A preparação caixa de areia impõe a mesma questão: qual é o papel da MJ? Acho que se você estiver fazendo uma caixa de areia, espera-se que a MJ seja uma árbitra imparcial, não é? Não dê colher de chá, seja fiel à realidade dos desafios, leve em conta soluções sensatas. Avance alguns anos. Agora temos jogos com mais um papel esperado da MJ.
Uma grande leva de jogos narrativistas é projetada, implícita ou explicitamente, em torno da ideia que vi pela primeira vez no Apocalypse World: jogue para descobrir (ou jogue para ver o que acontece). Lindo, curto, claro, fácil de entender. Não force as personagens a seguir um roteiro, não planeje de antemão, deixe a MJ se surpreender junto com os jogadores. O que vai acontecer? Sei lá, vamos jogar para descobrir. A facilitadora (ou MJ) terá que inventar coisas conforme avançamos.
Muitos jogos narrativistas da última década foram desenvolvidos com ferramentas para ajudar MJs a improvisar durante o jogo. Alguns tiram os dados das mãos da mestre, impelindo-as a decidir sobre como a ficção muda com base nas ações da personagem. Do lado OSR da coisa, as ferramentas procedurais geram conteúdo na hora, conforme necessário. Também imagino que haja uma premissa geral de jogo no estilo caixa de areia, que tira o piano das costas da MJ para balancear ameaças contra PJs. E então, no espaço trindie (traditional + indie), você acha jogos que combinam os dois: aceite eventos surgirem organicamente, e aqui estão alguns truques procedurais que você pode usar para criar conteúdo num piscar de olhos.
Até hoje eu ainda odeio preparação. E qual a preparação que eu odeio? É a do tipo defensivo. É pensar em resultados prováveis, chegando a combates “balanceados”, qualquer coisa que apareça na interseção entre matemática e tática. Mas e se eu te disser que, em vez de se preparar para evitar o improviso, você pode se preparar especificamente para a improvisação?
Fertilizando os Campos
Quando quero mestrar um jogo de improvisação, seja porque o jogo exige (jogos Powered by the Apocalypse - PbtA) ou porque simplesmente não tenho paciência para a preparação típica em um jogo convencional, quero ter certeza de que fiz minha, digamos … adequação mental de jogo o mais fértil possível.
Variedade Aceitável de Tons
Sei que as pessoas ouvem música, vasculham o mosaico do Pinterest, se envolvem em todos os tipos de outras mídias criativas para se inspirarem. Eu também! Creio que é o processo de definir as coisas que importam mais do que propriamente ouvir, olhar, ler. É estabelecer um clima.
Para mim, o clima entra em jogo quando penso em variedade aceitável de tons. Se eu quiser um jogo de ação cinematográfico e de alta octanagem, arranjarei minhas músicas para isso. Se eu mirar na melancolia, vou buscar uma lista indie de folk-rock triste no Spotify. Mas tudo isso se presta para formar essa variedade aceitável de tons na minha mente e no meu coração para que minha improvisação na hora H funcione.
Compreenda as Regras de Gênero
Diferente de consumir para um clima, vou rastrear e acessar mídias que exemplifiquem o gênero em que estamos jogando. Eu em geral evito “ficção de gênero” quando leio por prazer porque me entedia. Sabe como é, as coisas que aparecem gratuitamente no seu Kindle. Mas é uma ótima pesquisa quando você precisa aprimorar sua compreensão do gênero em questão.
Para o bem ou para o mal, descobri que muitos jogos focados no improviso dependem muito de uma compreensão compartilhada de gênero, pontos-chave específicos de uma mídia e regras de tropo. Particularmente, não curto o quão dependente de tropos – quase clichê – algumas pessoas são quando jogam e mestram. E digo mais, eu pessoalmente odeio tratar RPGs como emuladores de outras mídias, mas esse é outro papo e hoje não quero tratar disso. (Talvez eu escreva mais sobre isso no futuro.) Mas quando todos aceitam um padrão de regras de gênero, é fácil improvisar nesse meio.
Aposto que muitas MJs “naturalmente talentosas em improvisar” chegaram lá por serem muito versadas num gênero. Podem acessar os tropos rapidamente, pensam em termos de gênero. Os resultados naturalmente satisfatórios do cumprimento de padrões são fáceis quando todos sabem o padrão que você está buscando.
Ferramentas Ideias para o Trabalho
Nem todo jogo é adequado para a dinâmica de improviso. Muitos RPGs narrativistas famosos o são, como os PbtA e Forged in the Dark. Mas mesmo se você estiver jogando um jogo mais tradicional ou trindie, você pode fazer alguma preparação de antemão para facilitar a improvisação neles.
Conheça os Incentivos
Um ponto principal para mim: você entende os ciclos econômicos do seu jogo? Você entende os incentivos agindo? Se eu estiver me preparando para mestrar um jogo pela primeira vez, criarei um resuminho das regras (se for o tipo de jogo que não vem com referências de jogo) para me ensinar como ele funciona. Mas também vou esboçar os ciclos econômicos em ação. Como os personagens avançam? Como você conquista recursos dentro do jogo? Quais ciclos de jogo se repetem e como esses ciclos reiniciam?
Conhecer os esquemas de incentivo de um jogo geralmente me mostram o que os jogadores perseguirão. Essa é uma grande vantagem quando você está se preparando para improvisar. Em uma ou duas sessões, também terei uma boa ideia de que outros elementos do jogo estão incentivando cada jogador. Alguns jogadores valorizam mais o tempo nos holofotes em cena do que evoluir personagem. Outros podem realmente gostar de ajudar outra(o) PJ a ser incrível.
Relógios Situacionais
Este é um conselho específico para PbtAs, mas acho que você pode aplicá-lo amplamente. Vem comigo...
Descobri que, em geral, as instruções de preparação de PbtA são bastante meia-boca. Eu conheci muitos projetistas que declaram orgulhosamente que mestram jogos “com muito improviso” e de que não precisam fazer preparação. E isso se mostra em seus jogos. Como eles não acreditam em preparação, os projetistas inserem “algo” em um texto de regras porque “deveria” estar lá – afinal de contas, Apocalypse World possui – e não porque é útil. O grande culpado aqui são as cópias bocós do Relógio.
Preparação ruim do Relógio lista as coisas que acontecerão quando um Relógio (detonador, tormenta, frente, etc.) avançar. Acho isso difícil e estranho de se encaixar em um jogo orgânico. Já usei esses relógios e geralmente acabo largando de mão o trabalho que coloquei neles. A situação na cena não reflete a lista de eventos que eu defini semanas ou meses atrás. Uma boa preparação de Relógio leva em conta mudanças na situação.
“A gangue Honey Crips incendeia a propriedade da Dremmer” é um evento específico. A ficção pode ou não refletir um contexto no qual incendiar uma propriedade faz sentido. Então, eu poderia escrever: “Dremmer perde o controle de sua propriedade para uma gangue rival”. É mais amplo, mas também muito mais fácil de se lidar. Dremmer pode perder o controle de várias maneiras! Qualquer número de gangues rivais pode ser a causa! Mas o importante é que, naquele ponto do relógio, saber que a PNJ perde o controle de algo valioso é uma mudança na situação.
Inspirando-se nos jogos PbtA, eu diria que você pode colocar ferramentas do tipo Relógio em qualquer jogo, mas concentre-se em mudanças na situação, não em eventos específicos. Imagine como será a ficção quando essa situação ocorrer. Acho isso muito mais fácil do que tentar enfiar uma casa incendiada na história.
Por Que, Não O Que
Acho que um ponto onde MJs inexperientes com improviso tropeçam é não saber a distinção entre um obstáculo e uma situação.
Masmorras? Esses são mapas cheios de obstáculos. Monstros, obstáculos. PNJs que vocês precisam vencer a qualquer custo? Obstáculos. Armadilhas? Perigos ambientais? Maldições? Todos obstáculos. Os obstáculos estão tão profundamente inseridos em rpgs convencionais que acho que muitos (a maioria?) dos jogadores experientes avaliam sua experiência de jogo puramente em sua capacidade de superar obstáculos.
As situações, por outro lado, são orgânicas dentro da ficção. Elas são o contexto que leva aos obstáculos. Dependendo do jogo, você pode desconsiderar a situação. Você não liga a mínima para por que essa masmorra está cheia de tesouros, certo? Digo, a menos que o conhecimento lhe dê uma vantagem para superar seus obstáculos.
Situações são pontos de tensão não resolvidos. São bombas com o pavio aceso, molas comprimidas, a metáfora que você quiser. Elas também estão, a meu ver, constantemente em movimento. Assim que as situações se resolvem, elas também levam a novas situações. Do contrário, não era uma situação.
Mantenha as situações em primeiro plano no seu jogo e na sua preparação. Quando você parar de pensar em contexto, começou a pensar em obstáculos.
Mapas de Situação De Novo
Uma técnica para entender a situação do seu jogo de que já falei antes é o mapa de situação. A versão bem resumida disso é:
- Defina muito claramente as relações entre personagens e organizações (clica nesse link, é coisa da boa), e;
- Rotular situações que estão atualmente em jogo entre essas relações. Coloque-as à vista para que os jogadores possam vê-las também. Confiar em seus jogadores para que aproveitem bem esse conhecimento é sempre mais importante do que lançar uma grande revelação sobre eles, na minha experiência.
Mapa de Relações (MR) + situações = mapa de situação.
Psicologia de Boteco
Outro aspecto de preparação “por que, não o que” para improvisar é ter uma noção sólida das motivações e pressões subjacentes de sua ficção de jogo em curso. O que motiva uma PNJ? Quais objetivos uma organização realmente tem? Que incentivos narrativos essas coisas estão buscando? Você pode improvisar ações depois de ter uma noção firme dos porquês do seu mundo. Sempre, sempre pense na lógica da ficção de por que as coisas funcionam da maneira que funcionam.
Preparação Mista
É provável que, a menos que você esteja mestrando um jogo totalmente improvisado, precisará fazer um pouco dos dois tipos de preparação. Estatísticas dos obstáculos, saber o que impulsiona seu mundo, uma compreensão clara dos tropos e uma variedade aceitável de tons bem definida.
Eu gosto de encontrar um meio-termo legal em jogos do tipo trindie, em que, se você precisar de estatísticas (porque é o tipo de jogo em que os recursos da MJ têm matemática), há uma boa lista de versões pequena/média/grande dos obstáculos esperados: certos tipos de PNJ (soldado, comerciante, famílias) ou monstros, ou o que seja. O rpg Burning Wheel, eu acho, faz PNJs 1d/2d/3d, em que literalmente tudo o que eles rolarão será um, dois ou três dados, com um dado extra para o que eles deveriam ser bons a critério da MJ. Isso requer que mestre e jogadores tenham um relacionamento profundamente não-antagonista. Se você pode simplesmente tirar um número do nada, e é um valor “eu venço!” bizarramente grande, você acabou de afirmar aos jogadores que está mais interessado em derrotá-los do que em colaborar para criar uma situação crível. Mas isso nem sempre é culpa da MJ, e alguns jogadores ainda se sentirão desejosos desse antagonismo.
Numa visão prática, a menos que você esteja mestrando um jogo criado especificamente para ser improvisado, espere fazer alguma preparação tradicional. Mas faça isso em linhas gerais, não estatísticas específicas.
Ok, Mas Por Quê?
Se você chegou até aqui deve estar se perguntando por que preparar para improviso quando a melhor parte da improvisação é não ter que preparar? Trago opiniões!
- A falta de preparação é realmente a melhor parte do improviso? Também existem outros benefícios: descobrir sua criatividade visceral quando você não está pensando demais, ser capaz de se adaptar ao ritmo e ao clima da mesa, descobrindo resultados surpreendentes junto com os jogadores;
- O improviso preparado parece diferente do improviso não preparado, na minha experiência. Creio que improviso não preparado é mais sensível à energia irrestrita da mesa que pode acumular até o ponto de ser energia maníaca. Talvez seja só pra mim, mas quando estou mestrando um jogo no improviso, é tão fácil buscar por mais e MAIS emoção. E … talvez essa não seja a melhor coisa para o seu jogo. Em especial se você estiver executando uma campanha longa, o que me leva a …
- Você pode buscar jogos mais longos ao controlar o ritmo. Imagino que um segredo para jogo de longa duração, que frequentemente achei difícil nos jogos narrativistas, seja disciplina. Se você atiçar cada sessão a um ponto de energia maníaca, por quanto tempo você pode manter isso? Se você mantiver alguma energia em reserva e for muito comprometido quanto ao tom e ao ritmo, poderá descobrir que o jogo quer durar mais.
- Por fim, e nada trivial, é uma forma de diversão solitária que ainda oferece dividendos. Talvez você termine com um mapa de situação elaborado em vez de um mapa detalhado de vila/masmorra/planeta, mas ainda é bom poder revisitar seu jogo entre as sessões.